sábado, 2 de fevereiro de 2008

O mundo não é maternal


"É bom ter mãe quando se é criança, e também é bom quando se é adulto.


Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, masé um erro de cálculo.


Mãe é bom em qualquer idade.


Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que omundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.


O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passando fome.


Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos.


O mundo quer defender o seu, não onosso.


O mundo quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro.


Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos.


O mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure ocartão de crédito.


Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos,com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.


O mundo nos olha superficialmente.


Não consegue enxergar através.


Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento.



O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar elepróprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta.


O mundo nãotira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.


O mundo quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades.


O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui.


O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir.


O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qualé o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego.


Para o mundo, quem menos corre, voa.


Quem não se comunica se trumbica. Quem com ferro fere, com fero será ferido.


O mundo não quer saber de indivíduos, e sim de slogans e estatísticas.


Mãe é de outro mundo.


É emocionalmente incorreta: exclusivista,parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser atécorruptível se oferecermos em troca alguma atenção.


Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto que o mundo propriamente dito exige eficiênciamáxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo.


Mãe é de graça.

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