A tarde se embaça: - um pingo, outro pingo respinga um respingo de encontro à vidraça;um pingo, outro pingo, e a chuva aumentando e eu nada distingo,- respinga um respingo tinindo, cantando de encontro à vidraça A noite esta baça e a chuva enervante batendo, batendo, constante, cantante de encontro à vidraçaA terra se alaga o céu se nevoa, e a chuva é uma vaga fininha, descendo, parece garoa! parece fumaça!- e as águas subindo e as poças subindo e a chuva descendo e a chuva não passa! O dia surgindo, manhã turva e baça. A chuva fininha miudinha, miudinha,parece farinha lá fora caindo, através da vidraça. A tarde está escura, a noite está baça, e as brumas de um tédio de um tédio sem cura talvez sem remédio minha alma esfumaça:- um dia, outro dia e os dias passando em lenta agonia segunda a domingo;um pingo, outro pingo,respinga um respingo,batendo, cantando, mil dedos tocandode encontro à vidraça...-que chuva! que chuva!e a chuva não passa! Constante, cantante caindo distantenas folhas molhadas,nas poças paradas despidas e nuas,e murmurejante rolando nas ruas;-um pingo, outro pingona lata cantando goteira se abrindo pingando, pingando batendo, batendo tinindo, tinindo parece um tinido, de taça com taça,e a chuva chovendo e a chuva não passa! O vento nas folhas de leve perpassa,e as gotas nos fios rolando, escorrendo lá fora estou vendo através da vidraça,- que dias sem alma!- que noites um graça! e a chuva, que calma! chovendo, chovendo não passa! não passa!A terra está envolta nas brumas de um véu,de um véu de viúva que o dia escurece,e a noite enfumaça.- E' a chuva que chove, e do alto se solta descendo, descendo, rolando, escorrendonos olhos do céu...Nos olhos do céu e no olhar da vidraça!-que chuva! que chuva! parece um dilúvio,quem sabe? - parece que a chuva não passa!
(Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro " AMO ! " 1a edição 1938 )
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